ESQUADRÃO DE
RECONHECIMENTO FOX 3431
(EREC 3431)
A VERDADEIRA HISTÓRIA
Parte II
A PARTIDA
Assim começa a verdadeira história, baseada em factos verídicos,
de uma unidade de elite de cavalaria do Exército Português na então denominada
Província da Guiné.
Para muitos era mais um dia quente de agosto na bonita e
simpática cidade de Castelo Branco, porém, para mais de cem homens na flor da
juventude, era o início de um dia que marcaria para sempre o resto das nossas
vidas.
Lentamente, talvez com alguma nostalgia, começamos a arrumar
os sacos e as malas nas viaturas que nos transportariam até à estação do
caminho-de-ferro. Durante a manhã tínhamos-nos despedido da população da cidade
durante o desfile organizado pelos altos comandos militares que, assim,
justificavam perante o povo como os garbosos jovens partiam em defesa da Pátria
e regressavam com os olhos fechados ou cheios de traumas.
Como eu e o Berto não gostávamos de desfiles desenfiamo-nos e
fomos beber uma cervejinha a um café próximo. Entre duas goladas recordamos as
noites de Castelo Branco, com as sopas à alentejana, que saboreávamos num
restaurante próximo do cinema, dos sorrisos das simpáticas albicastrenses e do
quarto que o Luciano Vieira, o Nélinho e o Baptista tinham alugado quando
dormiam fora do quartel, que nós os dois aproveitávamos para descansar um pouco
quando chegávamos do Porto até à hora de entrada na unidade. Meios tontos, da
viagem nocturna, adormecíamos numa nesga dos colchões. O sol já entrava pela
janela quando a senhoria, uma senhora de idade avançada, entrava no quarto para
mudar as roupas das camas. “Oh se. Vieira deixe ver a travesseira”, como o se. Vieira
não acordava chegava junto da cama levantava a cabeça do Vieira e retirava a
travesseira, deixando de seguida cair a cabeça do se. Vieira. Mudada a fronha dava-se
o circuito inverso com o Vieira sempre a dormir. Este ritual era extensivo aos
outros dois inquilinos, Nelinho e Baptista, apenas diferia um pouco já que não tinham
o sono tão pesado. Após recordarmos estes episódios, que marcaram a nossa
passagem por Castelo Branco, regressamos ao desfile, mesmo a tempo de participarmos
nos últimos metros.
À voz de comando entramos para as Berliet que imediatamente
iniciaram a sua marcha. Reflecti sobre as cerca de dez semanas do chamado IAO,
passadas no Cavalaria 8, que essencialmente tinham servido para criar o
espírito de grupo entre os efectivos das diferentes unidades que compunham o
Esquadrão e efectuar uma sessão de fogos reais, com diferentes armas, na
localidade de Penamacor.
Ultrapassada a porta de armas daquela unidade militar olhei
para trás, fiquei com a certeza que não mais ali voltaria. Um sentimento
negativo dizia-me que o futuro próximo não iria ser um mar de rosas, até porque
na nossa preparação já registávamos duas baixas, um morto e um ferido grave, o
José Graça e o Fernando Afonso, foram assim as primeiras vítimas resultantes de
um acidente de viação durante uma das semanas de campo.
Pelo meio ficava um período inicial em que o nosso comandante não
aparecia para formar o Esquadrão tendo então o alferes Victor Campos, como o
mais antigo, assumido as despesas do desvio. Passados alguns dias de incerteza,
apesar do comandante do RC8 ter ameaçado que aplicaria uma pesada punição ao
comandante do EREC 3431 quando este se apresentasse, eis que aparece um oficial
vestido de farda branca que imediatamente fez saber que era o homem tão
procurado. Manuel Eduardo Alves Botelho de seu nome, capitão de cavalaria do
exército português, tinha terminado recentemente uma comissão na Índia, onde
passou por um período de detenção quando o exército indiano tomou pela força as
províncias de Goa, Damão e Diu. Esta a explicação para o nosso comandante surgir
equipado de farda branca, a mesma que usava na India. Se somarmos a isto a sua
vocação artística, que passou pela colaboração como personagem principal num
spot publicitário das primeiras camisas de nylon que surgiram em Portugal, as
chamadas camisas TV, tínhamos o comandante ideal para uma missão que iria ficar
na história como uma das mais controversas levadas a cabo na então província da
Guiné, como iremos ver mais à frente.
Quando chegamos à estação, um comboio especial aguardava-nos.
O transbordo foi rápido e lá partimos rumo a Lisboa, mais propriamente para o
cais da Rocha do Conde de Óbidos, onde nos esperava o navio Uige para nos
transportar até à Guiné.
Ao fim de dez dias, mais propriamente a 4 de Setembro 1971,
desembarcamos no cais do Pidjiguiti em Bissau, após uma viagem que demorou
demasiado, a voz da caserna dizia que tínhamos andado aos esses para evitar os
submarinos russos, coisas da nossa gente.
Pelo meio ficavam alguns episódios que começavam a definir a
personalidade de cada um, como o caso do furriel enfermeiro, António Lisboa de
seu nome, um rapaz extrovertido e sempre brincalhão que resolveu pegar com o
seu brinquedo preferido o furriel rádio montador, Arnaldo Ribeiro, um jovem
bastante anafado que estava sempre bem-disposto.
Estava então o Ribeiro no seu camarote quando o Lisboa
apareceu e deparou com um par de botas do Arnaldo, o Lisboa tratava sempre os
amigos pelo primeiro nome, acho que era só para ser diferente, ato contínuo
pegou nas botas, dizendo que cheiravam mal, lançando-as fora pela vigia do
camarote pensando que as mesmas iriam cair no deck inferior, já que o seu
camarote, que era contiguo ao do Ribeiro, a vigia dava para esse deck e assim pregava
um valente susto ao Ribeiro, já que este pensaria que as botas tinham ido parar
ao mar. Só que o Lisboa não tinha reparado que o deck terminava precisamente no
seu camarote pelo que tudo que fosse despejado pelas vigias dos camarotes
seguintes ia directamente para o mar. Escuso-me a contar as reacções de cada um
pois deixo, esse pequeno pormenor, ao cuidado da vossa fértil imaginação.
Outra nota digna de registo, a passagem do Uíge por um sem
número de ilhas e ilhotas maravilhosas, de areia finíssima com diversas
palmeiras inclinadas sobre um mar azul e límpido de águas quentes, que se nos
depararam no último dia de viagem, o que levou muitos de nós à amurada do navio
num ato de contemplação digno de um filme da Disney. Admirávamos, assim, pela
primeira vez, o arquipélago dos Bijagós. Ouviam-se comentários diversos como
‘’……se pudesse trazia a minha miúda e passava aqui o resto da minha vida’’.
Após o desembarque fomos encaminhados para as viaturas que
nos transportaram para o Depósito de Adidos em Brá onde nos mantivemos durante
quatro dias.
(A seguir)
Parte III
A CHEGADA A BAFATÁ