ESQUADRÃO DE
RECONHECIMENTO FOX 3431
(EREC 3431)
A VERDADEIRA HISTÓRIA
INTRODUÇÃO
A Primavera começou há dois dias,
mas o tempo está bastante desagradável com chuva e frio, está mesmo uma ‘’prima
vera’’. Isto foi apenas para justificar o injustificável, não sei por que
comecei a escrever hoje aquilo que já devia ter feito há vários anos atrás.
Mas tudo tem uma explicação,
estou num daqueles dias em que me sinto a bater no fundo, os resultados das
análises clínicas, que recebi ontem, não são nada animadores o que me levou a
pensar que tinha que escrever a história, a verdadeira história, de uma unidade
do exército português no ultramar, mais propriamente na então província
ultramarina da Guiné já que, para memória futura dos nossos descendentes, só
assim será possível terem a noção do que realmente aconteceu.
Bem, mas vamos lá ao que
verdadeiramente interessa.
Parte I
A Mobilização
Abril de 1971, Pavilhão do Infante de Sagres em plena cidade
do Porto. A manhã estava a correr pelo melhor, a equipa de andebol do Cavalaria
6, da qual eu fazia parte, tinha acabado de eliminar a engenharia e
classificava-se assim para as meias finais de uma competição inserida nos jogos
desportivos militares do ano.
De repente uma voz sussurra-me ao ouvido, ‘’tens de ir já
para o quartel pois o comandante quer falar contigo’’, como é de calcular fiquei
em polvorosa pois para o comandante da unidade dignar-se em querer falar comigo
era porque se tratava de um assunto grave.
Comecei a dar voltas e voltas à cabeça, porque seria? De
repente ocorreu-me, bem vou apanhar uma porrada das antigas, pois lembrei-me
que dois meses antes, durante a noite, tínhamos introduzido no quartel umas pequenas
para animarem uma festa que estávamos a dar na messe.
Quando cheguei e me apresentei ao comandante a sua reacção foi
imediata, ‘’…. pela tua cara vejo que já sabes o que te espera’’, ‘’ bem meu
comandante eu ainda não percebi bem como foi possível aquilo acontecer’’
respondi eu muito atrapalhado. ‘’. Porquê? Tinhas cunhas?’’ perguntou, e eu
claro fiquei ainda mais enrascado pois já não estava a perceber nada daquilo,
mas lá fui respondendo ‘’bem meu comandante todos temos os nossos amigos. ‘’Pois’’
retorquiu, ‘’mas ao que parece não serviram para muito, pois vais fazer parte
de uma unidade de reconhecimento que vai operar na Guiné.’’
Foi como tudo se desmoronasse à minha volta, estava
convencido que, com quase quinze meses de tropa, já não iria parar ao ultramar
e mesmo se fosse seria como foto-cine, tal como sucedeu a todos os meus
anteriores colegas de trabalho com a mesma formação profissional.
Fiquei dispensado o resto do dia com a obrigatoriedade de nos
dias seguintes passar pela secretaria para obter mais informações, incluindo a
guia de marcha.
De repente pensei em voltar para trás e confessar a irregularidade
anteriormente cometida para ver se ia preso, talvez assim escapasse de ir para
a Guiné, donde se dizia que dificilmente se saía de lá com vida e, na melhor
das hipóteses, com mazelas para o resto da nossa existência.
Durante breves segundos naveguei por diversos cenários, mas
nenhum me agradou pois pensei que caso tentasse fugir, ao que já me estava
destinado, tornar-me-ia igual àqueles que desapareciam de Portugal para mais
tarde reaparecerem num país sem acordos de extradição e, assim, evitarem a ida
à tropa e consequentemente a mobilização para o chamado ultramar.
Agora, que tinha decidido pegar o touro pelos cornos, a minha
maior preocupação passou a ser a de dar aquela notícia aos meus pais, em
especial à minha mãe. Sem encontrar uma solução razoável procurei o meu melhor
amigo Berto Soares que, àquela hora, estaria a dar formação ou então já se
tinha desenfiado para casa. Como não o encontrasse resolvi ir deambular um
pouco pela rua da Constituição ou pela rotunda da Boavista. Quando vou a passar
pela porta de armas encontro o Berto cabisbaixo que quando me vê aproxima-se e
diz ‘’já sabes o que me aconteceu?” – “O que foi? Mas será que hoje só há
notícias más?” – O Berto olha para mim e diz ‘’vou para a Guiné’’ num misto de
alegria e tristeza abraço o Berto e digo “– Vamos meu irmão, vamos’’ o Berto
sorriu e disse ‘’estamos fodidos’’.
No dia seguinte quando chegamos à secretaria para recolha de
dados encontramos o Bucha e o Estica, ou seja, o Alexandre Flores e o Lopes
Gonçalves, que já conhecíamos das Caldas da Rainha e que ficamos a saber que
também tinham direito a uma guia de marcha.
Passados alguns dias, eu, o Lopes Gonçalves e o Flores
recebemos ordem para nos apresentarmos na unidade de comandos em Lamego. A
coisa começava a ficar preta.
Chegados à terra do bom presunto lá nos dirigimos para o
quartel dos comandos.
Após a apresentação na secretaria disseram-nos para
esperarmos, indicaram-nos um banco corrido que existia num pátio interior.
Passadas várias horas fomos interpelados por um sargento que nos indicou a
messe, pois já eram horas de jantar, e entregou-nos uma requisição para mais
tarde levantarmos um saco cama.
O repasto era excelente, uma sopa bem feita, boa carne, tenra
e suculenta, com ovo e tudo, e sobremesa com fruta.
Após dois dedos de conversa dirigimo-nos para o edifício
onde, supostamente, estariam situados os dormitórios, entretanto tínhamos
levantado os sacos cama. Para nosso espanto, fomos informados que não havia camas
disponíveis e indicaram-nos uma arrecadação onde poderíamos dormir, pois era
para isso que tínhamos os sacos cama.
Na arrecadação encontramos um monte de palha e foi ali onde
nos instalamos até ao dia seguinte.
Cerca das cinco horas da manhã fomos acordados pelo sargento, do dia anterior, que nos informou para estarmos prontos na parada às seis horas
e que poderíamos tomar o pequeno almoço na messe.
E assim foi, dirigimo-nos à messe onde fomos principescamente servidos com ovos, bacon, torradas, fiambre, café, leite, sumo de laranja e por aí fora.
Comecei a gostar de Lamego e do quartel que albergava simultaneamente os
Comandos e as Operações Especiais que era o nosso destino. Mal eu sabia o que
nos esperava.
Após a primeira refeição do dia dirigimo-nos para a parada. Fomos
enquadrados numa unidade de operações especiais que se preparava para rumar para
o campo de treino, não sem antes recebermos um kit de sobrevivência, o que
achei um pouco estranho já que tínhamos chegado no dia anterior e sem saber o
que iríamos fazer.
A viagem em Unimog até ao local dos exercícios não foi longa,
pelo contrário, em pouco tempo estávamos a descer da viatura, junto a uma caixa
de esgotos com a tampa retirada. Ato continuo fomos empurrados para a caixa que
nos recebeu de braços abertos e nos acolheu nas suas entranhas. Entranhas bem malcheirosas
e com muitos objectos flutuantes, uns inertes e outros bem vivinhos e muito
activos.
O percurso realizado no colector foi mais ou menos dramático,
o Lopes Gonçalves chiava mais do que os ratos, o Flores tentava retirar os
bichinhos das zonas anafadas e eu …, bem eu não sabia como sair daquela merda
toda.
Quando voltamos a ver a luz do sol eu tomei uma decisão, “tenho
de ir embora de Lamego o mais rápido possível”. E assim foi, nos testes psicotécnicos
fui dos piores, já sabia como era, tinha feito muitos na empresa onde antes
trabalhava, e nos físicos simulei uma lesão no joelho. Moral da história, fui
devolvido, juntamente com o Lopes Gonçalves, ao Cavalaria 6. Quanto ao Flores,
como tinha que perder uns quilitos, por lá ficou a tirar a especialização de Operações
Especiais, que lhe foi muito útil, como iremos ver lá mais para diante.
De regresso ao Porto colaborei na instrução de mais uma
recruta e, no início de Junho, tivemos uns dias de férias para preparar a
partida para o local de concentração e organização, o chamado IAO, Instrução
de Aperfeiçoamento Operacional.
Castelo Branco esperava-nos, mais propriamente o Regimento de
Cavalaria 8.
(A seguir)
Parte II
A PARTIDA
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